O Mestre em ação.
No dia 5 de Dezembro de 1890, nascera em Viena, Áustria-Hungria (hoje, Áustria), Friedrich Christian Anton Lang, o filho de um engenheiro civil que desejava que o pequeno Fritz seguisse a mesma carreira profissional. Fritz, porém, aos 21 anos, mudou-se para Munique aonde resolveu estudar pintura e escultura, o que certamente desagradara imensamente o pai. Pior, por influência de amigos, o jovem Fritz, resolveu abandonar as duas formas de arte que estava estundando, pela aventura de uma outra mais cativante, o cinema! Muito embora, as noções que teve, tanto da pintura como da escultura, viriam a ajudá-lo, e muito, na sua concepção estética em sua filmografia.
Mas, antes, estudara brevemente arquitetura na Universidade Técnica de Viena (o que também viria a ser útil para ele), depois foi para Paris e lutou na Primeira Guerra Mundial, onde, em decorrência de um ferimento, perdeu a visão do olho direito.
Enquanto se recuperava, escreveu seus primeiros roteiros, trabalho este, motivado por um forte grafismo. Como jovem que era, foi natural que a efervescência cultural, política e social da cidade se refletissem em suas primeiras obras. Motivado pela venda de dois desses trabalhos para o cinema, Lang começou, ele próprio, a dirigir filmes. Em 1919 estrearia como diretor no hoje perdido "Halbblut", do qual se sabe muito pouco, exceto a sinopse, que fala de um homem destruído pelo amor que nutre por uma mulher. Os originais do filme se encontram perdidos.
Segundo Lotte Eisner, biógrafa e amiga de Lang, seus dois primeiros filmes se perderam. Além de “Halbblut”, também um outro chamado “Der Herr der Liebe”, também de 1919. Fritz nunca se importou com o sumiço destes filmes, pois dizia que eram filmes feitos em 4 ou 5 dias e não tinham nenhuma importância. No entanto, ainda no mesmo ano, Fritz alcançaria o sucesso com “As Aranhas”, que é o seu filme mais antigo do qual existem cópias. Nesta época, Fritz chegou a trabalhar no roteiro de “O Gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene, a pedido do produtor Eric Pommer, mas abandonou o projeto, pois, precisamente iria rodar “As Aranhas”. Aliás, este filme foi feito em duas partes: “ Die Spinnen, 1. Teil – Der Goldene See” em 1919 e “Die Spinnen, 2. Teil – Das Brillantenschiff”” em 1920. Entre um e outro, Lang realizou “Harakiri”, 1919, com roteiro de Max Jungk, a partir da peça Madame Butterfly, de John Luther Long e David Belasco, baseada na ópera homônima de Giacomo Puccini. O filme contava a história de uma jovem japonesa, interpretada por Lil Dagover, que se apaixona por um oficial americano. Em 1920 realizaria mais um filme “Depois da Tempestade” (Das Wandernde Bild), muito embora algumas biografias afirmem que o filme seja de 1919. Teve como consultor de criação Joe May e o roteiro ficou a cargo de Thea von Harbou, roteirista e atriz, com quem viria a se casar em 26 de Agosto de 1922. A história do filme falava sobre mulher que engravida do cunhado, irmão gêmeo do marido, que foge e é dado como morto. Ela também desaparece. O marido e um primo deste iniciam uma tumultuosa jornada atrás da mulher, que escapa pelas montanhas e passa a ter seus passos vigiados por um enigmático eremita.
Em 1921 realiza “Corações em Luta” (Die vier um die frau), com roteiro do próprio Fritz Lang e Thea von Harbou, filme que retrata bem o imaginário do diretor, que em seus trabalhos futuros exploraria, ao máximo, a complicada relação entre homens e mulheres e os interesses escusos de cada um. A sinopse do filme diz que um homem chamado Yquem compra uma jóia para Florence, sua esposa, num antro de ladrões e receptadores, entre os quais se encontra Upton. Ao sair, depara-se com uma pessoa cujo rosto reconhece como o mesmo de um retrato que possuía sua mulher. Yquem persegue o homem e acaba por conhecê-lo: é William Kraft, famoso escroque e irmão gêmeo de Werner, outrora amante de Florence. Todos conhecem Florence e, num ambiente onde predomina o crime, a ambigüidade e o acaso, ela é cobiçada pelos quatro homens, que lutarão entre si.
Porém, sua carreira somente ganharia o impulso que ele precisava, com a realização do clássico “A Morte Cansada”, que também é conhecido com o nome de “Pode o Amor mais que a Morte”. O filme foi muito aplaudido pela crítica da época, e foi como um “start” que o levaria rumo a uma gloriosa carreira. Os seus filmes seguintes são provas disso: Dr. Mabuse, 1922 (aqui no Brasil dividido em dois DVDs: “Dr. Mabuse - Parte 1: O jogador” e “Dr. Mabuse - Parte 2: O Inferno do Crime”); “Os Nibelungos - Parte 1: A morte de Siegfried” e “Os Nibelungos - Parte 2: A vingança de Kriemhild”, ambos realizados em 1924; e em 1927 se consagraria de vez com “Metrópolis”, filme futurista que inspirou nestes últimos tempos a realização do cenário do consagrado “Blade Runner” de Ridley Scott. Depois em seguida vieram “Os Espiões” em 1928 e “A Mulher na Lua” em 1929, este último um filme de ficção científica, o mais fraco nesta fase de Fritz Lang. Mas em seguida veio “M, o Vampiro de Dusseldorf” em 1931, clássico absoluto do Expressionismo Alemão e de toda a história do cinema. Dizem, que muito antes de Alfred Hitchcock, Lang já era considerado um mestre do suspense na Alemanha, e que a influência de “M” na obra do diretor inglês (Hitch passara um tempo nos estúdios da UFA na época, “aprendendo” com os mestres alemães.) é visível. Por exemplo, o assassinato visto pelos óculos quebrados caídos no chão em “Pacto Sinistro”, cuja deformidade remete ao expressionismo, bem como a sombra das escadas em “Suspeita”, que se projetam formando grades de prisão, são influências que Hitchcock nunca negou.
Em 1932 rodaria “O Testamento do Dr. Mabuse”. Ao ver o filme, Joseph Goebbels, chefe da propaganda do nazismo, julgou que o filme fazia uma defesa da ideologia nazista e convidou o cineasta para dirigir o Instituto de Cinema Alemão e a supervisionar os filmes alemães. Goebbels, disse também que o próprio Füher, que tinha assistido “Metrópolis”, o encarregou de convida-lo, pois Hitler havia afirmado que “este é o homem de que precisamos para fazer filmes sobre o nacional-socialismo".
Em uma reunião que durou mais de duas horas, Lang recusou o convite e, sabedor das reações dos nazistas a quem não se enquadrava em suas normas, principalmente por ele ter descendência judia, mudou-se no mesmo dia para a França. Dizem que Lang fugiu com a própria roupa do corpo, abandonando tudo, inclusive a mulher, que resolvera entrar para o partido nazista e trabalhar para a causa. No ano seguinte, Thea concederia a Lang o divórcio.
Na França, com os braços abertos dos Executivos da MGM para ele, antes de ir para os EUA, ele realizou o seu primeiro filme fora da Alemanha e o único em terras francesas. O filme foi “Liliom” (1934), uma inesquecível e perturbadora fantasia pré-noir, colocando os conceitos absurdos de repressão e da justiça, leis do nosso mundo, no plano sobrenatural. Charles Boyer como Liliom e Antonin Artaud no papel do amolador de facas cego, estão entre seus melhores personagens já feitos. Os críticos entenderam que este filme foi uma obra anti-nazista.
No seu primeiro filme americano, “Fúria” (1936), Lang soube com mestria combinar a sua paixão pela justiça com um estilo visual refinado, e criar uma obra-prima que se tornou um marco cinematográfico no gênero consciência social. Uma estatística oficial diz que nos 50 anos anteriores ao lançamento deste filme, isto é, de 1886-1936, aproximadamente 6.000 pessoas nos EUA foram vítimas de linchamentos por turbas. “Fúria” ataca este tipo de tragédia e outras injustiças que permanecem vivas na sociedade moderna. Depois de mostrar a que veio, Lang continua em terras americanas a sua carreira de grandes e contestadores filmes. Vieram: o clássico “Vive-se uma só vez” (1937), “O Retorno de Frank James” (1940), “Os conquistadores” (1941), “O Homem que Quis Matar Hitler” (1941), “Um Retrato de Mulher” (1944), “Almas perversas” (1945), “O Diabo Feito Mulher” (1952), “Só a Mulher Peca” (1952), “Os corruptos” (1953), entre outros sucessos.
No final da década de 1950, retornou para Alemanha, alguns dizem que estava aborrecido com os produtores metediços e controladores da América, outros que ele estava com saudade de sua terra natal e queria terminar a carreira lá. Seja como for, realizou três filmes, em sua Alemanha e em alemão, antes de se aposentar: “O Tigre de Bengala” (1959), “Sepulcro Indiano” (1959) e “Os Mil Olhos do “Dr. Mabuse” (1960). Este último, para encerrar a carreira com chave de ouro, Lang retoma o personagem mais famoso que ele criou, Dr.Mabuse, e demonstra que ainda havia muito caldo para ser espremido de sua tão dissecada, mas inesgotável, fonte de talentos.
Depois disso só voltou ao cinema à frente das câmeras, quando atuou como ator no filme “O Desprezo” (1963) de Jean-Luc Godard. Dizem também que em 1964, quase cego, presidiu ao Festival de Cannes.
Finalmente voltaria para a América, aonde viria a falecer em 2 de Agosto de 1976, em sua casa, em Beverly Hills, Los Angeles, EUA.